O ENEM VAI REORIENTAR O ENSINO"
O ministro da Educação, Fernando Haddad, falou à ISTOÉ sobre os reflexos do exame nas escolas
ISTOÉ - Por que só agora, 11 anos após sua criação, o Enem chegou a esse novo formato?
Fernando Haddad - O Enem, no seu formato original, falhou no seu principal propósito, que era acabar com o vestibular tradicional. As principais universidades não viam o Enem como um instrumento adequado para seus processos seletivos nem os secretários estaduais viam no exame o formato adequado para orientar o currículo do ensino médio. Daí a mudança foi necessária e, em minha opinião, recebeu apoio em função de ter sido um formato negociado, tanto com os secretários estaduais quanto com os reitores.
ISTOÉ - Algumas universidades, como o ITA, dizem que não vão aderir porque sua seleção dá certo. Em quanto tempo acredita que todas participarão?
Haddad - Estamos prevendo para as universidades federais um processo de transição de três anos. Nesse primeiro ano, 50 instituições vão utilizar o Enem como fase única e 26 universidades públicas vão usá-lo como componente da nota. Compreendo que algumas instituições, por adotarem um processo seletivo adequado aos seus propósitos, não tenham a intenção, nesse momento, de fazer do Enem a base de seu processo seletivo
"Hoje, em virtude do conteúdo excessivo, os professores têm pouca condição de aprofundar as disciplinas"
ISTOÉ - O sr. acredita que o conceito do novo Enem vai mudar o jeito de as escolas ensinarem?
Haddad - Não tenho dúvida de que vai reorientar o ensino médio, fazendo com que diminua o conteúdo e permita o aprofundamento dos temas pertinentes a essa etapa de ensino. Hoje, em virtude do conteúdo excessivo, os professores têm pouca condição de aprofundar as disciplinas porque o currículo do ensino médio acabou se tornando uma espécie de sobreposição de programas de vestibular. É praticamente impossível não lançar mão de decorebas, fórmulas, etc., para dar conta da abrangência dos conteúdos que são cobrados nos milhares de vestibulares que ocorrem no País.
ISTOÉ - Quanto tempo a educação brasileira levará para mudar para melhor, graças ao novo conceito?
Haddad - Minha expectativa é que o início da mudança ocorra a partir da adesão das universidades. Dependemos dessa adesão, para que o ensino médio consiga respirar aliviado, para cobrir um conteúdo mais inteligente, mais instigante. A velocidade da transição vai determinar a da mudança
"Desde que as notas médias do Enem por escola foram divulgadas começou um movimento de adaptação"
ISTOÉ - Muitas escolas de elite que não se saíram bem na avaliação de 2007 subiram dezenas de posições em 2009. Como isso foi possível?
Haddad - Na interlocução com diretores de escolas particulares e públicas, percebemos que, desde que as notas médias do Enem por escola foram divulgadas pela primeira vez, em 2006, começou um movimento de adaptação das instituições de ensino.
ISTOÉ - Os alunos de escolas públicas não continuam em desvantagem, já que o problema é a qualidade do ensino nessas instituições?
Haddad - Em primeiro lugar, as escolas públicas têm um investimento por aluno equivalente a 10% do que se investe em média no estudante de escola privada. E recebem o aluno em condições socioeconômicas muito mais desfavoráveis. A família é um determinante da educação dos filhos. A distância existe, mas entendo que é superável. Fixamos metas até 2022 para que a escola pública se equipare em qualidade à escola particular - que atende apenas 12% da população. Hugo Marques
ELAS NÃO QUEREM SER AVALIADAS - O exame que confere o desempenho dos estudantes do ensino superior é rejeitado por importantes universidades. Algumas das principais instituições de ensino superior do País se negam a participar do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que avalia os alunos ingressantes e formandos das faculdades. A Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se abstêm do teste desde 2004, quando ele foi implantado. Entre as justificativas, elas alegam a possibilidade de boicote por parte dos alunos, o que interferiria negativamente no resultado. "Antes da divulgação do resultado, a universidade deveria ter tempo de se adaptar para consertar as falhas apontadas", diz a educadora Neide Noffs, da PUC-SP, que participa do Enade. A secretária de Ensino Superior do MEC, Maria Paula Dalari, acredita que essas universidades ainda se conscientizarão da importância do exame. "Ele é um instrumento para elevar a qualidade do ensino no País."